Em 16 de janeiro de 2024, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão unânime no Recurso Especial nº 2.034.442, estabelecendo que o deferimento do pedido de recuperação judicial de uma empresa, mesmo após a desconsideração de sua personalidade jurídica, não impede o prosseguimento de execuções redirecionadas aos sócios. O colegiado entendeu que a constrição dos bens dos sócios não afeta o patrimônio da empresa em recuperação, nem compromete sua capacidade de reestruturação.
No mesmo julgamento, a Turma afirmou que a desconsideração da personalidade jurídica com base na teoria menor, prevista no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), é aplicável também às sociedades anônimas. Diferentemente da teoria maior, estabelecida no artigo 50 do Código Civil, a teoria menor permite a desconsideração mediante a demonstração do estado de insolvência da empresa e da constatação de que a personalidade jurídica constitui obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados, sem a necessidade de comprovar desvio de finalidade ou confusão patrimonial entre os sócios e a sociedade empresária.
No caso em questão, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa em recuperação ocorreu no âmbito de uma ação de consumo. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que entendeu que a recuperação judicial não abrange as demandas envolvendo devedores solidários, como sócios e administradores. Os recorrentes alegaram ser acionistas, e não sócios, das empresas que tiveram a personalidade jurídica desconsiderada, argumentando que o veto ao parágrafo 1º do artigo 28 do CDC excluiria sua responsabilização pela teoria menor, uma vez que não seria possível a desconsideração de sociedades anônimas. Eles também pleitearam a suspensão do cumprimento da execução em virtude do deferimento do pedido de recuperação judicial.
O relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, embora não exija prova de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, não possibilita a responsabilização pessoal de quem não integra o quadro societário da empresa, mesmo que atue nela como gestor, e de quem, mesmo sendo sócio, não desempenha atos de gestão na sociedade. Por outro lado, a desconsideração fundamentada na teoria menor pode ser admitida para sociedades anônimas, desde que seus efeitos se restrinjam às pessoas que detenham efetivo controle sobre a gestão da companhia. Nesse sentido, o ministro apontou precedente estabelecido pela Quarta Turma no AREsp 1.811.324, no qual se definiu que o tipo societário da empresa não é fator determinante para a aplicabilidade da teoria menor.
Em relação ao pedido de suspensão das execuções, o ministro Cueva ressaltou que, conforme decidido pela Segunda Seção no REsp 1.333.349, o deferimento da recuperação judicial, embora suspenda as ações e execuções contra a sociedade em recuperação, não impede o prosseguimento das execuções nem gera a suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários. Isso ocorre porque tais medidas não afetam o patrimônio do devedor principal, ou seja, da empresa em recuperação, e o legislador ressalvou os direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, admitindo o prosseguimento de eventuais execuções contra eles instauradas.
No caso concreto, o ministro observou que os recorrentes são acionistas e controladores da sociedade, possuindo, portanto, poder de controle sobre a gestão da sociedade anônima que teve a personalidade desconsiderada. Assim, não há impedimento para que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica recaiam sobre o patrimônio dos recorrentes.
Essa decisão do STJ reforça a possibilidade de responsabilização dos sócios controladores em casos de desconsideração da personalidade jurídica, mesmo quando a empresa está em processo de recuperação judicial, e amplia a aplicação da teoria menor para incluir sociedades anônimas, desde que os acionistas tenham efetivo controle sobre a gestão da companhia.
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