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Reestruturação Empresarial- Autofalência- Dissolução regular como instrumento de proteção aos sócios.

Atualizado: 3 de abr.

Autor: Gustavo Caetano Gomes

A autofalência como medida de reestruturação empresarial somada com as alterações da Lei 14.112/20, que alterou a LRF, precisamente com o instituto fresh start, buscou na falência, positivar o fomento do empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica.


Inicialmente, uma regra importante a destacar é o Princípio da Autonomia Patrimonial das Sociedades Empresariais, pois é o seu patrimônio – e não os dos seus sócios - que respondem pelas suas obrigações. Muito embora pareça óbvio a regra, na prática, em processo de reestruturação empresarial – sim, a falência é uma forma de reestruturação empresarial, muitas vezes nos deparemos com entendimentos diversos. 


Inúmeras são as razões de uma sociedade empresária requerer a sua autofalência, conforme disciplinado no artigo 105 da Lei 11.101/2005, sejam elas, cenário econômico desfavorável, com fluxo de caixa insuficiente, cumprimento de suas obrigações a curto e médio prazo, ativos alvo de constrições e expropriação de bens em razão de diversas execuções judiciais, dificuldade de captação de “dinheiro novo” no mercado para injetar na sociedade e etc.


Uma irregularidade muito comum – e que poucos têm ciência da gravidade - é a dissolução irregular da sociedade, que consiste no encerramento das atividades sem a correta comunicação aos órgãos públicos. Uma vez constatado o fechamento da empresa sem a comunicação aos órgãos competentes (Receita Federal e Secretarias de Fazenda, por exemplo) os patrimônios dos sócios podem responder pelas obrigações da sociedade.


Dessa forma, a autofalência revela-se como ferramenta hábil para afastar a irregularidade no enceramento da sociedade empresária.


Frequentemente nos deparamos com sociedades empresárias que são praticamente “abandonadas” pelos seus sócios administradores, sem a regular liquidação da sociedade, com o pagamento do passivo e devida comunicação aos órgãos competentes do encerramento das suas atividades.


Diversas são as previsões em lei (Código Tributário Nacional, Código Civil, CLT e CDC), que preveem a inclusão dos sócios da sociedade empresária como responsáveis pelas obrigações da sociedade, de forma excepcional- Lembrando que a regra é de autonomia patrimonial da sociedade empresária. A sua aplicação, em termos gerais, ocorre em algumas situações: quando há desvio de finalidade, ou seja, se empresa é usada para fins ilícitos ou alheios ao propósito para o qual foi criada, e a confusão patrimonial, que se caracteriza pela mistura indevida entre os bens pessoais dos sócios e os bens da empresa.


Nessas situações, o instituto permite que o patrimônio dos sócios seja alcançado para garantir o cumprimento das obrigações assumidas pela pessoa jurídica, protegendo credores e evitando fraudes.


Assim, não havendo possibilidade para soerguimento do agente econômico para superar a crise econômica, com o adimplemento do passivo existente, a autofalência faz-se necessária para correta dissolução da sociedade empresária.


A falência é instituto previsto legalmente, que consiste em uma faculdade estabelecida em favor do empresário impossibilitado de honrar com os compromissos assumidos. Com a quebra da sociedade limitada, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só cabendo o redirecionamento das obrigações aos sócios caso reste comprovada o desvio de finalidade, a confusão patrimonial.


Ademais, com as recentes alterações da Lei 11.101/05, buscou acelerar o processo de falência, proporcionando uma possível e rápida retomada do empresário ao ambiente negocial, chamada de fresh start (novo recomeço).


O modelo faz referência ao direito falimentar americano e tem como principal característica a diminuição do prazo para o término das obrigações do falido, passando de cinco (da sentença de encerramento da falência) para três anos de sua decretação.


Ainda, com a inovação trazida pela Lei 14.112/2021, o artigo 82-A da LFRJ e seu parágrafo único, estabeleceu que é vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitadas, aos controladores e aos administradores da sociedade falida[1]


Sendo assim, restou positivado na norma (Lei 11.101/05) a regra de que, não é possível o redirecionamento das obrigações da sociedade empresária falida para os sócios, simplesmente, pela decretação de falência, pois a falência é a forma regular de dissolução de sociedade.


A dissolução da sociedade empresária de forma irregular, portanto,  remanesceria a possibilidade da responsabilidade dos administradores (sócios ou não) da sociedade. Este fato muitas vezes decorre da presunção estabelecida pelo verbete sumular do STJ nº 435[2].


A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem adotando orientação segundo a qual a responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado só ocorrerá quando for resultante de algum ato por eles praticado com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto, confusão patrimonial ou, ainda, no caso de ter havido dissolução irregular da sociedade, o que já configura, por si só, uma infração a deveres legais[3].


Ademais, não é demais destacar a Súmula 430 do STJ que dispõe que “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.


Repisa-se, o sócio, ao constituir a sociedade sob a forma limitada (artigos 1.052 e seguintes do Código Civil), baseados no direito societário, limitam sua responsabilidade aos aportes que realizam para a formação do capital social - objetivando restringir sua participação no pagamento dos débitos sociais, desde que não pratiquem atos com excesso de mandato, violação da lei ou do contrato social. A responsabilidade dos sócios, somente ocorrerá, quando demonstrados de forma inequívoca os elementos ligando tais pessoas aos fatos, ou seja, o fato de os sócios haverem agido com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.


Isto significa que, a unidade empresarial, utilizando da prerrogativa prevista em lei, com o pedido de autofalência, está agindo dentro da legalidade, circunstância esta que impossibilita a extensão das responsabilidades da sociedade empresária aos sócios.


Sendo assim, a autofalência, que consiste em uma faculdade estabelecida em favor do empresário, impossibilitado de honrar os compromissos, cuja previsão consta expressamente na Lei 11.101/05, não configura modo irregular da dissolução da sociedade.


Com a modernização da nossa legislação falimentar, com o instituto do fresh start, inserido na LRF, buscou na falência, positivar o fomento do empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica[4].

Com a quebra da sociedade limitada, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência.


Assim, o instituto da autofalência, torna-se instrumento eficiente e seguro, como forma de dissolução regular da sociedade empresária, obstaculizando o redirecionamento das obrigações aos sócios.


Sobre o autor: Gustavo Caetano Gomes é advogado, sócio do escritório GCG|Advogados, Graduação em Direito pela Universidade Paulista 2004. MBA Direito Civil e Processo Civil FGV. Falência e Recuperação Judicial-FGV. Especialista em Direito Empresarial e Econômico pela ABDConst. Extensão em M&A- Fusões e Aquisições, Associado da TMA Brasil.  


[1] Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica.     (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).  (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência).

[2] Dissolução Irregular de Empresa – Comunicação a Órgão Competente o Funcionamento de Domicílio Fiscal – Redirecionamento da Execução Fiscal – Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

[3] Neste sentido já se posicionou o STJ: TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. DECRETAÇÃO DE AUTOFALENCIA. DISSOLUÇÃO REGULAR DA EMPRESA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A primeira Seção desta Corte Superior, no julgamento do REsp 1.101.728/SP, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, publicado em 23.3.2009, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, firmou a compreensão no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributaria não caracteriza infração legal para fins de responsabilização do socio gerente, sendo necessária a comprovação da pratica de excesso de poder ou infração à lei, conforme dispõe o art. 135 do CTN. Entendimento ratificado pela sumula 430/STJ, segundo a qual o inadimplemento da obrigação tributaria pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidaria do socio gerente. 2. Da mesma forma, a autofalência é faculdade estabelecida em lei em favor do comerciante impossibilitado de honrar seus compromissos, não se configurando hipótese de dissolução irregular (REsp. 644.003/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 24.10.2005, p. 258). 3. No caso, trata-se de uma dissolução regular, a autofalência, o que não autoriza o redirecionamento da execução fiscal aos administyradores.4. Agravo regimental do estado do rio grande do Sul a que se nega provimento. (STJ-AgRg no AgRg no Resp: 192771 RS 2012/0126842-7, Relator: Ministro Napoleão nunes Mai Filho, data do julgamento: 23/06/2015, T1-Primeira Turma, data de publicação: DJe 04/08/2015).

[4] Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a:      (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)   (Vigência)

I - preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa;     (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)   (Vigência)

II - permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na economia; e       (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)    (Vigência)

III - fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica. 

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